sexta-feira, 16 de julho de 2010

O "que" de qualidade

Numa perspectiva em que a qualidade de uma instituição de ensino está diretamente relacionada ao papel que a educação superior cumpre para o aprimoramento pessoal e o desenvolvimento da sociedade como um todo, a busca por parâmetros de qualidade está muito mais relacionada à missão à qual cada instituição está atrelada e ao atendimento de sua função correspondente do que ao propósito meramente qualitativo. Assim entende Kiyoshi Fukushi Mandiola, membro avaliador da Comissão Nacional de Acreditação do Chile, órgão que avalia a coerência dos programas das instituições de educação superior daquele país.
Na ocasião de sua visita a São Paulo para participar de seminário internacional sobre as novas dinâmicas da educação superior, em abril, Kiyoshi conversou com a revista Ensino Superior para falar de qualidade e inovação da gestão nas instituições de ensino. Com 25 anos de experiência em planejamento, implementação e gestão de instituições de educação superior, Kiyoshi é o vice-reitor de Aseguramiento de la Calidad (controle de qualidade) da Universidade San Sebastian.
No Chile, assim como no Brasil, cada vez mais estudantes das classes de menor poder aquisitivo estão ascendendo à graduação. Para ele, a atual concepção de universidade deve experimentar uma mudança de paradigma, em que a formação acadêmica, a docência, atividades de pesquisa e a habilitação para o mundo do trabalho sejam consideradas distintamente.
Ensino Superior - Fale um pouco da experiência da UniversidadeSan Sebastian.
A Universidade San Sebastian tem 20 anos, 20 mil estudantes e já formou mais de 100 mil estudantes. É uma universidade na qual tudo o que fazemos tem um marco definido pela qualidade. A qualidade é um conceito que depende da definição de cada um. Para a Universidade San Sebastian, a qualidade está em fazer com que cada uma das pessoas que nela trabalham desempenhe sua função da melhor maneira possível e, portanto, tenha uma permanente disposição de melhorar o que faz.
Ensino Superior - A qualidade está ligada também à satisfação dos profissionais que trabalham na instituição?A qualidade está em todos os âmbitos. A razão de ser da universidade são os estudantes. Sendo assim, nosso objetivo é entregar o melhor ambiente para que se possa estudar, melhores instrumentos e condições para que se possa aprender e, fundamentalmente, prepará-los para que sejam bons profissionais. Nossa universidade crê firmemente no conceito de mobilidade social. Com a educação superior podemos provocar uma mudança na qualidade de vida das pessoas, dos estudantes mais especificamente, e de todos que os rodeiam, da sua família. Os alunos que entram na nossa universidade não vêm de classe social com tradição na educação superior, vêm de setores médios. No Chile, sete em cada dez alunos são os primeiros membros da família a ingressar numa universidade. Esperamos que o aluno realmente quebre esse ciclo da realidade que tem vivido durante anos.
Ensino Superior - Como assegurar a qualidade sem comprometera rentabilidade?
Se pensarmos na qualidade como o que disse anteriormente, isso é uma falácia. O que quero dizer é que a qualidade está na melhoria de vida dos ingressantes. A instituição será mais eficaz na medida em que promover a inserção e a capacitação dos estudantes. Ao final, é isso que o mercado de trabalho e os próprios estudantes mais reconhecem. Então, no fundo, qualidade se paga sozinha. O melhor negócio na educação superior é fazer a coisa bem feita.
Ensino Superior - Como promover um ambiente de inovação dentro da instituição?
Oferecendo um ambiente adequado e exigindo que professores, funcionários e toda a equipe tenham conhecimento e estejam permanentemente se atualizando. Ensinando-os a ter vontade de aprender a ler o mundo, ou seja, a ter uma visão mais ampla e a entender que as coisas têm diferentes formas de ser compreendidas e realizadas. Com estes elementos é possível obter uma instituição inovadora. Não é possível conceber uma organização cujo ambiente é coercitivo, onde não há possibilidade de troca de ideias. Dessa maneira é como morrer pelo ócio.
Ensino Superior - Uma postura inovadora garante o sucesso da instituição?
Não é somente ter atitude. Tem de gerar um ambiente em que seja permitido aprimorar o conhecimento, dar possibilidade para que cada um seja capaz de viver o mundo de maneira correspondente, mas que não seja apenas conduzido, que busque corrigir. A inovação é um meio que deve ser utilizado conforme o que se almeja. É preciso ter clareza do que se quer ser como instituição de ensino. Ou seja, tenho de definir primeiro qual é o meu projeto, o que quero fazer e, a partir disso, escolher quais métodos vão me ajudar a atingir tal objetivo. Por outro lado é importante destacar que, em muitos casos, a inovação ajuda a construir uma identidade própria, a se diferenciar.
Ensino Superior - Como as ferramentas tecnológicas podem ajudar na administração de uma instituição e até que ponto isso é necessário hoje em dia?
A primeira coisa que uma instituição precisa fazer é definir sua identidade. A partir disso tem de buscar os mecanismos e tecnologias que vão ajudá-la a conseguir seus objetivos. Nesse momento a tecnologia passa a ser fundamental. A tecnologia hoje em dia é igual à eletricidade: quando está não é importante, mas se deixa de estar deixamos de enxergar.
Ensino Superior - Qual a importância do uso de ferramentas tecnológicas no gerenciamento das instituições de ensino?
Apenas contar com isso, sem dúvida, não ajuda a melhorar a qualidade do processo. A maneira como isso é operado tornar-se fundamental para melhorar a qualidade em qualquer instituição. E nesse processo podemos ter três setores envolvidos ocupando funções distintas, embora o processo em si ultrapasse os três: Quando eu vou até você para resolver alguma coisa e você me manda até outro, porque aquilo não lhe diz respeito e assim por diante, isso é um péssimo serviço. Mas quando todos têm a visão do processo, se preocupam com tudo, não somente com a parte que lhes toca, isso é bom. As ferramentas tecnológicas servem para isso: auxiliar no gerenciamento do processo pertinente a uma universidade.
Ensino Superior - Qual a sua ideia de empreendedorismo dentro das instituições de ensino?
É que cada pessoa seja capaz de saborear sua vida profissional conforme o seu sonho. Se eu tenho capacidade - e quando digo capacidade não é somente profissional mas também a proporcionada pelo ambiente ao seu entorno - para poder construir e alcançar o sonho que eu tenho como pessoa, eu estou sendo um empreendedor. E isso não tem relação apenas com a universidade. Para mim, empreendedorismo não é construir uma empresa, mas sim o resultado de querer fazer melhor. Se eu me ocupo em trabalhar para uma companhia que não é o meu sonho, não vai adiantar nada. A pergunta é: como desenvolver uma carreira, como planejar uma carreira para poder alcançar esse sonho? Isso é ser empreendedor.
Ensino Superior - Na sua opinião, como medir a qualidade de uma instituição e quem deve fazê-lo?É uma pergunta muito difícil porque, como disse, a qualidade depende de cada instituição. Então eu defino o que quero ser como instituição e se eu cumpro com isso estou tendo qualidade. O processo de acreditação verifica o grau de coerência existente entre o que se diz cumprir e o que realmente se faz. Portanto, um processo de acreditação bem conduzido, que não seja meramente punitivo, além de avaliar o bom desenvolvimento do projeto institucional, vai ser útil para sinalizar a qualidade da instituição na medida em que observa sua coerência. Dessa maneira eu diria que um processo de acreditação bem feito constitui uma ferramenta muito poderosa para garantir a qualidade da instituição.
Ensino Superior - Como a acreditação é feita no Chile?No Chile o processo de acreditação das instituições está sob a responsabilidade de uma Comissão Nacional de Acreditação (CNA), que tem como marco uma lei instituída para isso, que é a lei da seguridade da qualidade. E ela é encarregada de fazer todo esse processo. Já nos Estados Unidos são seis agências, uma para cada zona, e elas também garantem a qualidade, sempre assegurando que se cumpra primeiro a missão da instituição.
Ensino Superior - Qual o caminho da universidade do futuro?
Essa também é uma pergunta difícil. Isso porque, na minha opinião, quando se trata de entender o que é uma universidade, trata-se de defini-la com um paradigma que é decorrente da atividade, ou seja, se é uma universidade, se é uma ordem geradora de conhecimento da sociedade, aí vai estar a pesquisa, a docência. A pergunta é se esse paradigma é válido hoje em dia nessa sociedade em que estamos vivendo. É lógico seguir definindo a universidade com base num paradigma ou há que se buscar uma nova definição? Creio que a universidade do futuro vai tratar de absorver isso. Haverá cada vez mais uma separação das instituições, por exemplo: aquelas que preparam para o mercado de trabalho, as que se dedicam a ser centros de pesquisa de excelência e aquelas que oferecem um ensino mais geral, do conhecimento pelo conhecimento.

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