domingo, 14 de fevereiro de 2010

Profissão: docente

No difícil e urgente tema da formação de professores, poucos autores são tão citados como o português António Nóvoa. Reitor da Universidade de Lisboa, Nóvoa ressente-se de ter reduzido o tempo para escrever e pesquisar. Mesmo assim, vem propondo novas perspectivas para a compreensão do problema, que tem dimensões planetárias.
Agora, por exemplo, dedica-se ao que chama de "construir lógicas de comparação" entre os sistemas educativos em diferentes países do mundo, inclusive aqueles que não adotaram as métricas de avaliação mais difundidas, como o Pisa (sigla em inglês que designa o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).
Ao mesmo tempo, Nóvoa vem produzindo artigos e ensaios que originaram o livro Os professores - Imagens do futuro e do presente, recém-lançado em Portugal, e que espera publicar em breve também no Brasil. E já sonha com o próximo. "Nos tempos que correm, de tanto ruído e agitação, gostaria muito de escrever um livro sobre a pedagogia do silêncio", conta na entrevista concedida, via e-mail, ao repórter Paulo de Camargo.

No Brasil, vivemos um momento de grande discussão sobre a formação do professor, o que inclui a formação inicial, nas universidades, até a valorização dos profissionais mais experientes. Hoje, esta é uma questão mundial?

É uma questão de âmbito mundial. Num texto recente, apresentei cinco teses sobre a formação de professores, que respondem à sua pergunta. É impossível desenvolvê-las, mas posso enunciá-las. A formação de professores deve:
a) assumir uma forte componente prática, centrada na aprendizagem dos alunos e no estudo de casos concretos;
b) passar para "dentro" da profissão, isto é, basear-se na aquisição de uma cultura profissional, concedendo aos professores mais experientes um papel central na formação dos mais jovens;
c) dedicar uma atenção especial às dimensões pessoais, trabalhando a capacidade de relação e de comunicação que define o tato pedagógico;
d) valorizar o trabalho em equipe e o exercício coletivo da profissão;
e) estar marcada por um princípio de responsabilidade social, favorecendo a comunicação pública e a participação dos professores no espaço público da educação.

Onde está o coração do problema da formação dos professores? É a reestruturação dos cursos de pedagogia? Ou são as políticas de apoio ao professor nos primeiros anos de atuação, ou ainda as estratégias de formação em serviço?

Todos esses aspectos devem ser considerados. Chegou o tempo de fazermos uma verdadeira revolução na formação de professores. O que existe é frágil. A interligação entre as questões do ensino, da investigação e das práticas escolares e a participação efetiva dos profissionais na formação dos futuros professores são fundamentais para que se crie um novo modelo de formação de professores. Não nascemos professores. Tornamo-nos professores por meio de um processo de formação e de aprendizagem na profissão. É neste sentido que falo de passar a formação de professores para "dentro" da profissão. Quem forma os médicos são outros médicos. O mesmo devia acontecer na profissão docente.

Pelo que conhece do Brasil, quais são as principais distorções no sistema atual de formação de professores?

Ouço muitas críticas. Pelo meu lado, tenho procurado chamar a atenção para dois momentos fundamentais que têm sido ignorados ao longo das últimas décadas, não só no Brasil, mas em muitos países, o que revela bem a confusão que hoje existe nas políticas e nos programas de formação de professores. O primeiro momento corresponde à entrada num curso que habilita para a docência. O atual processo, burocrático e administrativo, não faz qualquer sentido. É urgente introduzir um recrutamento mais individualizado, que permita perceber as inclinações e as disposições de cada um para se tornar professor. E é preciso criar as condições para que os melhores alunos do ensino médio escolham a profissão docente. Ser professor não pode ser uma segunda escolha. O outro momento é a transição de aluno (como se dizia no passado, de aluno-mestre, isto é, de aluno que aprende para ser mestre) para professor principiante.
Os primeiros anos de exercício docente são absolutamente fundamentais. E ninguém cuida destes anos, nos quais se define grande parte do percurso profissional de cada um. É urgente criar formas de acolhimento, de enquadramento e de supervisão dos professores durante os primeiros anos da sua atividade profissional.

Uma política de piso salarial, como a que está sendo implementada no Brasil, por si só é garantia de aprimoramento no sistema? Ou é uma condição necessária, mas não suficiente?

É uma condição necessária, mas não suficiente. A sociedade pede aos professores que resolvam todos os problemas das crianças e dos jovens, e acredita que é na escola que se define um futuro melhor. A sociedade pede quase tudo aos professores e dá-lhes quase nada. É um contrassenso, para não dizer uma hipocrisia. A profissão de professor necessita de ser revalorizada do ponto de vista salarial, mas também no que diz respeito ao seu estatuto social e profissional.

No Brasil, frequentemente é apontado o corporativismo da classe profissional dos professores, que recusa, por exemplo, políticas de remuneração por mérito ou desempenho, bem como práticas de avaliação de sua atuação profissional. Como o senhor vê esses temas?

Tenho chamado a atenção para uma nova profissionalidade docente, que passa por quatro aspectos: formação, cultura profissional, avaliação e intervenção pública. Em todos eles, advogo um maior poder dos professores sobre a sua própria profissão, invertendo tendências das últimas décadas. Já falei da formação. Falarei agora da avaliação. É uma dimensão central de qualquer profissão. A crise da educação só será superada através de uma exigente prestação de contas. A confiança e a credibilidade são essenciais para o trabalho dos professores. E conquistam-se em grande parte por meio da avaliação e da comunicação pública com a sociedade. Mas os dispositivos de avaliação devem servir para reforçar a autonomia dos professores e não para um maior controle do Estado ou para impor critérios economicistas na regulação da profissão.

Certa vez, o senhor apontou a contradição das políticas de iniciação profissional dos professores brasileiros, ou seja, os mais inexperientes acabam nas periferias, nas escolas ditas 'difíceis'. Como, a seu ver, deveriam ser os primeiros anos de trabalho do professor?

Os jovens professores deveriam ser protegidos nos primeiros anos de exercício. Como os médicos. Ninguém começa sozinho a fazer operações complexas para, à medida que se torna um médico mais experiente e competente, se dedicar apenas a curar constipações. Devia ser assim também com os professores. As situações escolares mais difíceis deviam estar a cargo dos melhores professores. Infelizmente, é para estas situações que os jovens professores são muitas vezes lançados sem qualquer apoio. É um erro de graves consequências.

O senhor acredita nos modelos de tutoria (ou coaching) dos professores mais novos por profissionais da educação mais experientes?

Sim. É muito importante a socialização profissional que é feita pelos mais experientes junto dos mais jovens. A transição de uma cultura de isolamento para uma cultura colaborativa é um aspecto decisivo para os professores. Trabalho em equipe. Colaboração. Partilha. Sem isso, é impossível enfrentar os problemas educativos atuais. Nem todos os professores são iguais. É preciso que haja referências dentro da profissão - aqueles professores que reconhecemos como profissionais de grande competência e dedicação e que devem ter um papel no enquadramento dos mais jovens.

Há uma corrida no mundo pelos indicadores de qualidade - basicamente, o desempenho dos jovens no campo da leitura e dos números, em projetos de avaliação como o Pisa. O foco exclusivo nesses índices não acaba por induzir a uma visão limitada do que seja o papel da educação?

Hoje em dia, esse tipo de estudos de avaliação cumpre uma função essencial nas políticas educativas no plano internacional. São indicadores que traduzem uma visão empobrecida da educação, mas que não podem ser ignorados. É preciso fazer a sua leitura crítica, a sua interpretação e construir modelos alternativos de comparação. Uma parte do meu trabalho nos últimos anos tem sido, justamente, a tentativa de construir lógicas de comparação entre países que não estejam prisioneiros dessas "hierarquias" e que nos permitam um olhar crítico sobre os sistemas educativos.

Com o advento das novas tecnologias e com a crise dos modelos educacionais, muitos pesquisadores começaram a prever o surgimento de uma nova escola. O senhor está entre aqueles que acreditam em mudanças profundas no modelo tradicional da escola? Ou estamos a aprimorar uma concepção bancária de educação, como diria Paulo Freire?

De fato, não tem havido a produção de um novo modelo de escola. As tecnologias são muito importantes e têm contribuído para algumas mudanças no ensino e na aprendizagem. Mas elas, por si só, não alterarão o nosso modelo de escola. Se perdermos o sentido humano da educação, perdemos tudo. Só um ser humano consegue educar outro ser humano. Por isso tenho insistido na importância das dimensões pessoais no exercício da profissão docente. Precisamos de professores interessantes e interessados. Precisamos de inspiradores, e não de repetidores. Pessoas que tenham vida, coisas para dizer, exemplos para dar. Educar é contar uma história, e inscrever cada criança, cada jovem, nessa história. É fazer uma viagem pela cultura, pelo conhecimento, pela criação. Uma viagem, para recorrer a Proust, na qual mais importante do que encontrar novas terras é alcançar novos olhares. É nesse sentido que apreendo, hoje, o contributo tão significativo de Paulo Freire para pensar a educação numa perspectiva crítica e progressista.

Para finalizarmos, o senhor poderia sintetizar qual deve ser a função do professor na educação contemporânea? A que requisitos deve atender, como deve ser sua formação?

Sabemos todos que é impossível definir o "bom professor", a não ser através dessas listas intermináveis de "competências", cuja simples enumeração se torna insuportável. Mas é possível, talvez, esboçar alguns apontamentos simples, sobre o trabalho docente nas sociedades contemporâneas.
O conhecimento. Aligeiro as palavras do filósofo francês Alain: Dizem-me que, para instruir, é necessário conhecer aqueles que se instruem. Talvez. Mas bem mais importante é, sem dúvida, conhecer bem aquilo que se ensina. Alain tinha razão. O trabalho do professor consiste na construção de práticas docentes que conduzam os alunos à aprendizagem.
A cultura profissional. Ser professor é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se numa profissão, aprender com os colegas mais experientes. É na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão.
O tato pedagógico. Quantos livros se gastaram para tentar apreender esse conceito tão difícil de definir? Nele cabe essa capacidade de relação e de comunicação sem a qual não se cumpre o ato de educar. E também essa serenidade de quem é capaz de se dar ao respeito, conquistando os alunos para o trabalho escolar. No ensino, as dimensões profissionais cruzam-se sempre, inevitavelmente, com as dimensões pessoais.
O trabalho em equipe. Os novos modos de profissionalidade docente implicam um reforço das dimensões coletivas e colaborativas, do trabalho em equipe, da intervenção conjunta nos projetos educativos de escola.
O compromisso social. Podemos chamar-lhe diferentes nomes, mas todos convergem no sentido dos princípios, dos valores, da inclusão social, da diversidade cultural. Educar é conseguir que a criança ultrapasse as fronteiras que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino pelo nascimento, pela família ou pela sociedade. Hoje, a rea­lidade da escola obriga-nos a ir além da escola. Comunicar com o público, intervir na sociedade, faz parte do ethos profissional docente.



Paulo de Camargo





sábado, 13 de fevereiro de 2010

O tempo lento do educar

Não se pode conceber uma arte de ensinar destituída de alegria, de descobertas emocionantes, e de uma disciplina que nasça da harmonia. Professores que exercem essa arte profissionalmente desenvolvem, também com alegria, e com disciplina, talentos didáticos necessários para que suas aulas sejam inesquecíveis. O talento da voz audível e persuasiva. O talento do corpo entusiasmado. O talento da memória fluente. O talento da linguagem viva, musical. O talento da imaginação cheia de cores.
Esses talentos estão presentes no trabalho do educador e escritor mineiro Francisco Marques (1959-), ou, como vem se tornando cada vez mais conhecido, o Chico dos Bonecos.
Salta aos olhos e impressiona os ouvidos o jogo contínuo de sons e letras, imagens e palavras. Lançando mão das tradições populares, das canções de domínio público, Chico dos Bonecos vai recriando a linguagem, revirando os conceitos, inspirando professores e alunos. É de sua autoria, por exemplo, a paródia que há de salvar aqueles que, em outros tempos, dormiram com medo das terríveis caretas do Boi da Cara Preta:

Foi, foi, foi,
foi só pra você
que eu troquei a letra
da canção de adormecer.

Numa entrevista, Chico dos Bonecos disse que, para ele, o brinquedo mais atraente é a palavra. A palavra em tensão criativa, luminosa, cantarolante, rimável, amigável. Em seu livro A biblioteca dos bichos (1995), com versos redondilhos maiores, define a leitura que cada um sabe fazer. Saltada, como a do sapo:

O Sapo só lê pulando.
Cada pulo é uma vitória!
Pula de um livro pra outro
na prateleira de História.
Rica em vocabulário:
Maritaca xexelenta
prova um milho imaginário:
espaventa a xexelência
debulhando o dicionário.
Atenta ao seu poder:
A Pintada toda-toda
lia limpando o bigode:
- Com a força dessas palavras
nem a minha pinta pode...

A leitura educadora que os bichos fazem serve como estímulo para o bicho-homem, inventor dos livros mas nem sempre adepto desta maravilhosa invenção. E não há forma melhor de ensinar do que mostrar como se faz, algo bem mais divertido do que, de longe, e com cara amarrada, mandar o outro fazer... o aluno fazer.
Lugar de brincadeira é na escola
Se o professor é um artista, e se a leitura é animado jogo de palavras, a escola só terá sentido se se tornar lugar de brincadeiras. Porque a brincadeira ensina. O estudo é divertimento, quando se entende que aprender é decorrência natural de estar vivo, os cinco sentidos abertos. A escola é o lugar no qual letras e números são brinquedos.
No livro Garranchos (2001), um dos poemas mostra a escola mais humilde como lugar privilegiado em que a criança pode entregar-se de corpo e alma à experiência do aprender:

Meu pouco estudo
minha leitura fraca
eu aprendi numa escola rural
- dessas pequenininhas que cabem no bolso.
Dessas que
numa olhadela
cabe a escola todinha
e aguenta ainda litros de céu
árvores e árvores
cachorros e cocôs no corredor
e um menino com a cara breada de terra
brincando com os números.
Aluno de Comênio

Para educar, precisamos respirar "profundalentamente", sem pressas, sem ansiedade. Educar é tarefa existencial. O professor, a professora como fontes de calor e de luz. Nada fácil. Mas é imprescindível. Caso contrário, o aprender perde toda a graça. Vira desgraça.
No seu mais recente livro, Muitas coisas, poucas palavras (2009), Chico dos Bonecos capta o essencial dos ensinamentos de Comênio em sua Didática magna, em estilo teatral, com direito a canções e ilustrações (estas, a cargo de Silvia Amstalden).
A arte de ensinar é fruto de outra - da arte de aprender. E uma e outra não podem ser submetidas à pressa ou a discursos de eficácia que atropelem o mais importante:
A nossa arte de ensinar é uma estrada segura, clara, cercada de infinitas coisas para se ver, ouvir, saborear, pegar, cheirar. Por isso, nessa estrada caminhamos devagar, calmamente, lentamente.
Nessa estrada uma coisa vem depois da outra. Portanto, a demora para consolidar um conhecimento não é sinônimo de perda de tempo. Ao contrário, é uma economia de tempo, porque, a partir daí, um novo conhecimento pode ser construído com segurança. Por isso, nessa estrada, caminhamos rapidamente - lentamente.
Esse é o paradoxo fundamental do aprender brincando e do brincar aprendendo. O aprendizado que respeita a realidade de cada aluno não é veloz nem lento. Cada passo tem o seu momento, o seu atrativo, a sua dificuldade, a sua beleza.
Atuando como discípulo e divulgador de Comênio, Chico dos Bonecos defende outro paradoxo. Torna presente entre nós um pensador com mais de 400 anos de idade, um pensador do passado, cujas ideias, no entanto, ainda são consideradas utópicas, futuristas, vanguardistas, desafiantes.

Gabriel Perrissé

A busca do conhecimento

Nos últimos 10 anos, o número de programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em educação oferecidos no Brasil aumentou de 36 para 86. O crescimento superior a 138% em apenas uma década é um indício claro do desenvolvimento do setor, que vem se modificando, se ramificando e atraindo profissionais não só da educação, mas também oriundos de outras áreas do conhecimento. Os números relativos à expansão dos programas de pós-graduação lato sensu (especialização e extensão) são controversos, mas especialistas são unânimes em afirmar que também apresentaram crescimento vigoroso. Edson do Carmo Inforsato, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Unesp de Araraquara, estima que haja no Brasil ao menos 2 mil cursos de pós-graduação lato sensu relacionados à educação.
Especialistas apontam que a Lei de Diretrizes Básicas (LDB) de 1996, que estipulou que todos os professores de educação infantil e de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental teriam de obter no mínimo a graduação em pedagogia, pode ter estimulado o crescimento da oferta das pós-graduações em educação. "Ainda não vi nenhuma pesquisa comprovando isso, mas certamente pode haver uma correlação. Houve uma profusão na procura por cursos depois da segunda metade dos anos 90. De 1996 até 2005 e 2006, houve um boom de ofertas", diz Inforsato. Alexandre Fernandez Vaz, professor de Educação, História e Política da Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), concorda: "O crescimento da oferta de pós em educação pode estar associado à LDB, sim. Houve uma formação em massa de professores, potenciais alunos de pós".
Além da LDB de 1996, Joaquim Gonçalves Barbosa, coordenador do programa de Pós-Graduação da Metodista, aponta outros fatores decisivos. "O trabalho do educador hoje é menos ortodoxo. Antigamente, os educadores trabalhavam apenas em escolas. Hoje eles trabalham em empresas, em ONGs, projetos sociais. Essa formação mais refinada, específica, vem para preencher uma carência", afirma. Para Barbosa, a interdisciplinaridade também ajuda na popularização das pós em educação. "Hoje, na sociedade, as disciplinas estão mais interligadas. O educador trabalha com o médico, com o psicólogo, com o engenheiro e o inverso também é verdadeiro."
Porém, dúvidas crescem na medida em que há aumento da oferta. Alunos questionam a qualidade dos cursos; professores questionam o tênue equilíbrio entre produção de conhecimento e formação para o mercado; instituições questionam sobre seguir demandas sociais ou mercadológicas; e por aí afora. Enquanto a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) acompanha e avalia periodicamente as pós-graduações stricto sensu, os cursos lato sensu não são avaliados. O Ministério da Educação informou, via assessoria, que cursos lato sensu oferecidos por instituições credenciadas não dependem de autorização prévia nem reconhecimento, por isso não são avaliados.
Os educadores ouvidos pela reportagem concordam que a avaliação externa é fundamental para garantir um padrão mínimo de qualidade. Segundo Joaquim Gonçalves Barbosa, a avaliação acaba proporcionando um processo interno na instituição, garantindo uma contínua busca por melhorias. "A avaliação da Capes é muito importante. Não estou dizendo que não pode ser melhorada ou repensada, mas que acaba produzindo uma diretriz avaliativa muito positiva. A instituição passa a entender e definir seus próprios critérios de avaliação dos professores, seus próprios critérios de produção acadêmica."
Há um consenso em favor de uma avaliação externa do sistema lato sensu. "Os programas lato sensu são muito importantes na extensão e na formação continuada de professores, mas podem também ser caça-níqueis. Há um problema sério na baixa qualidade de muitos desses cursos", diz Alexandre Fernandez Vaz. O professor, no entanto, aponta êxitos no sistema de pós-graduação nacional. "O Brasil tem um sistema de pós-graduação bastante avançado, em algumas áreas se equipara aos países desenvolvidos. E isso é de responsabilidade também dos programas de educação."
Fernandez Vaz, em sua análise, diferencia dois tipos de profissionais, os pesquisadores e os professores, e destaca o papel das pós lato sensu na formação continuada. "O que chega ao professor e ao aluno na escola não vem do stricto sensu, que é para formar pesquisadores, uma certa elite intelectual, que não é melhor ou pior que os professores. O que chega ao professor da escola é o lato sensu, que trabalha de forma muito mais íntima com o dia a dia da profissão".

Tendências contemporâneas

Hoje, há diversas linhas de pesquisa para mestrado e doutorado que simplesmente não existiam 10 anos atrás. No lato sensu, há uma profusão de novos cursos, com algumas áreas despontando como tendências, como a gestão educacional e o estudo da comunicação aliada à educação. No Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Educação paga cursos de pós-graduação em gestão educacional para melhorar seu quadro de diretores e coordenadores. "Muitos dos diretores não têm formação para serem gestores ou administrar a escola. A demanda por essa formação específica cresceu muito nos últimos anos", relata Rosália Duarte, coordenadora da Pós-Graduação em Educação da PUC do Rio de Janeiro.
E não foi só no Rio que cresceu a procura por cursos que esquadrinham o cotidiano administrativo de uma instituição de ensino. Tais especializações tiveram origem no campo pedagógico da administração escolar. Contudo, com o avanço das ferramentas de administração e com a proliferação social da ideia de eficiência na gestão de recursos (sejam eles financeiros, humanos ou naturais), essas modalidades de pós se aperfeiçoaram, ganharam densidade e passaram a figurar sob os holofotes. Rosália afirma que não gosta de generalizar, mas admite que os recursos são muito malgeridos em diversas áreas do Brasil, não só na educação. Aí, talvez, resida parte do interesse que as pós em gestão despertam.
Sobre as muitas pós lato sensu em educação existentes hoje, Rosália Duarte não acha que há uma fragmentação, mas um olhar mais específico para alguns pontos. "É um refinamento do ponto de vista da abordagem e aprofundamento, recortamos o objeto para que seja mais bem analisado em sua complexidade interna e na relação com outras áreas", explica. "Talvez o motivo disso seja dar respostas mais precisas a perguntas cada vez mais elaboradas. Orientar políticas educacionais, planejamento e pesquisas de uma forma cada vez mais precisa, que não produzam resultados tão genéricos".
No geral, a oferta dos cursos lato sensu parece reagir aos movimentos vindos do mercado de trabalho e da própria sociedade. Outros exemplos citados foram os cursos de educação ambiental e aqueles que relacionam educação e mídia. Os dois temas estão, há algum tempo, na pauta diária e hoje são imprescindíveis na organização ou estruturação de qualquer política educacional, pública ou privada. Fernandez Vaz, porém, faz um contraponto e adverte sobre possíveis armadilhas nessa relação entre mercado e educação. "O mercado é formador de demandas importantes na sociedade contemporânea, mas ele não é a única dimensão a ser levada em conta. A educação, embora possa ser comercializada como mercadoria, não deve ser tratada como tal. Ela tem outro papel e outra função social."

A opção do mestrado profissional

As pós-graduações stricto sensu, por não serem tão comprometidas com o mercado ou com um pragmatismo imediato, de certa maneira, equilibram a balança. Atualmente há muitas linhas de pesquisa que abrangem fenômenos sociais recentes, como educação e movimentos sociais, educação e gênero, educação e minorias étnicas (como indígenas e quilombolas), dentre outras. As pesquisas resultantes das dissertações de mestrado e doutorado, de acordo com os educadores, não precisam ter efeito imediato, mas são indispensáveis. "Esse pensamento [pesquisa orientada para alguma prática pré-estabelecida] limita e sabota a produção de conhecimento, e é absolutamente salutar o país manter uma produção constante", afirma Fernandez Vaz.
No meio do caminho entre as pesquisas e as pós com aplicações mais práticas situa-se o mestrado profissional (MP). Essa modalidade também proporciona titulação de mestre e diploma acadêmico - enquanto as pós lato sensu conferem um certificado - e é formatada para trabalhar com questões mais íntimas da prática profissional e das demandas do mercado. O problema, de acordo com a interpretação dos educadores, é que o mestrado profissional ainda enfrenta resistência não só na área da educação, mas no meio das ciências humanas em geral. Enquanto nas ciências biológicas e exatas a oferta dos mestrados profissionais cresce, não há no sistema de bancos de dados da Capes nenhum MP na área da educação. "O mestrado profissional é uma opção viável, razoável", afirma Fernandez Vaz. "Nas áreas de humanas há um pouco de preconceito, que deveria ser enfrentado e discutido. É uma alternativa interessante de formação adicional de qualidade, pois nem todos querem seguir carreira de pesquisador", completa.