sexta-feira, 30 de abril de 2010

Cemitério Particular

“Tenho horror a hospitais, os frios corredores, as salas de espera, ante-salas da morte, mais ainda a cemitérios onde as flores perdem o viço, não há flor bonita em campo santo. Possuo, no entanto, um cemitério meu, pessoal, eu o construí e inaugurei há alguns anos, quando a vida me amadureceu o sentimento. Nele enterro aqueles que matei, ou seja, aqueles que para mim deixaram de existir, morreram: os que um dia tiveram a minha estima e perderam.
Quando um tipo vai além de todas as medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na vala comum de meu cemitério – nele não existe jazigo de família, túmulos individuais, os mortos jazem em cova rasa, na promiscuidade da salafrarice, do mau caráter. Para mim o fulano morreu, foi enterrado, faça o que faça, já não pode me magoar.
Raros enterros – ainda bem! – de um pérfido, de um perjuro, de um desleal, de alguém que faltou à amizade, traiu o amor, foi por demais interesseiro, falso, hipócrita, arrogante – a impostura e a presunção me ofendem fácil. No pequeno e feio cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outras varri da memória, retirei da vida.
Encontro na rua um desses fantasmas, paro a conversar, escuto, correspondo às frases, às saudações, aos elogios, aceito o abraço, o beijo fraterno de Judas. Sigo adiante, o tipo pensa que mais uma vez me enganou, mal sabe ele que está morto e enterrado".
Trecho de "Navegação de Cabotagem", de Jorge Amado.

Uma nova linguagem acadêmica

Se antes a imagem que a academia projetava era a de um rosto sisudo e quase autoritário, com distintos senhores confabulando a respeito de seus saberes, hoje é possível dizer que essa representação passa perto de uma pessoa jovem e conectada. Com a democratização do acesso ao ensino superior e a proliferação das novas tecnologias, era quase inevitável: a linguagem acadêmica está mudando.
Para conhecer a consequência desse processo, entretanto, ainda é preciso tempo, mas a representação máxima do conhecimento, ou seja, a formulação de teses acadêmicas, tem se beneficiado dessas novas possibilidades. Ao mesmo tempo que estudam o fenômeno social, as universidades se colocam na vanguarda de seus experimentos, com a permissão para que seus alunos apresentem dissertações em forma de blogs, livros, vídeos digitais ou via skype.
Tanto em pesquisas como no próprio ensino, é possível verificar, cada vez mais, a incorporação dessas novas tecnologias. Um dos exemplos concretos é o aumento na oferta de cursos a distância, mas, uma vez que os alunos chamados "nativos digitais" (nascidos depois dos anos 80) dominam as novidades tecnológicas, a academia passa a ser parte integrante desse processo, inserindo, crítica e reflexivamente, a apropriação e utilização destas novas linguagens no cotidiano do ensino, da pesquisa e da extensão.
Hoje é possível assistir a apresentações finais de TCCs, teses e dissertações por meio de vídeos digitais, fotografias, power point e até skype, por exemplo. Além disso, a grande maioria dos trabalhos é disponibilizada na internet. "Isso significa uma acessibilidade sem limites, incomparável com o formato tradicional do exemplar impresso nas mãos de poucos professores e na estante de uma biblioteca", afirma Paulo Cesar Duque Estrada, pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Apesar disso, segundo ele, acessibilidade não significa garantia imediata de maior entendimento do público em geral. "Quem recebe a informação terá de possuir capacidade para processá-las, ou seja, ainda não se inventou uma tecnologia que substitua o processo de formação acadêmica por meio do qual se adquire a necessária capacidade de pensar com rigor e, assim, se tornar um pesquisador ou pesquisadora", avalia.
Neste contexto, há duas linhas a serem pensadas, de acordo com a coordenadora do curso de letras da PUC de Minas Gerais (PUC-MG), Juliana Alves de Assis. O primeiro é que o uso de recursos tecnológicos pode, sim, tornar a apresentação mais dinâmica e interativa. O segundo é que há pesquisas que tomam a tecnologia e as práticas discursivas em que ela é empregada como objeto de estudo. Neste caso, o uso da tecnologia em questão pode ser imprescindível à compreensão do próprio objeto de pesquisa. "As tecnologias fazem parte de nosso cotidiano, das práticas sociais das quais participamos. Nessa medida, são importantes tanto como ferramentas para os eventos de interação do domínio acadêmico quanto como objetos de estudo", explica a professora.
O pesquisador é um dos que mais utilizam novas formas de tecnologia em seus trabalhos. Os sites e programas ligados à internet, os mecanismos para armazenamento e trabalho com dados coletados, tudo isso passa a ser mais rápido. "A depender da área do conhecimento, são indispensáveis recursos como imagens, vídeos, arquivos de som. Desse modo, a utilização de tecnologia poderia não apenas facilitar as apresentações, mas, principalmente, proporcionar-lhes maior qualidade de reprodução", afirma Mauro Dunder, doutorando em letras pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Bandeirante (Uniban). "Mas no que diz respeito a apresentações de trabalhos, a academia não se livrará tão cedo do apego que tem a determinadas tradições", completa.


Pedro Jacobi, professor da Faculdade de Educação e do programa de pós-graduação em ciência ambiental (Procam) da USP, concorda. Para ele, utilizar novas tecnologias não é tão simples, já que existe um ritual a se cumprir e um tempo disponível para apresentação. Mas ele se diz favorável a todo tipo de experimentação que possa complementar, de forma criativa, uma apresentação, assim como a transmissão online das defesas, o que abre espaço para um público muito mais amplo. "Tive a oportunidade de ver um orientando meu utilizar, na sua defesa, material em vídeo. O mais importante é analisar a qualidade do produto final. A academia ainda tem uma ritualística muito pouco criativa que dialoga quase nada com as novas mídias digitais", afirma.
Muitos docentes acreditam que as tecnologias devem servir ao conteúdo e não o contrário. Uma excelente ideia, por exemplo, não pode se tornar coadjuvante para um espetáculo de recursos tecnológicos ou que esse espetáculo esconda um vazio teórico. É necessário saber empregar a melhor linguagem tecnológica para que o conceito seja bem compreendido e a aprendizagem, favorecida. "O investimento em uma apresentação performática do ponto de vista tecnológico deve ser usado como ferramenta a serviço da elucidação dos tópicos centrais do trabalho. Esse deve ser o aspecto central a ser levado em consideração pelo aluno", defende Paulo Gomes Cardim, reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. "Às vezes, até um power point atrapalha. Já vi muitas apresentações pirotécnicas inúteis e dispersivas. Em muitos casos, nada supera um bom debate", completa André Azevedo da Fonseca, coordenador do curso de comunicação social da Universidade de Uberaba (Uniube), em Minas Gerais.
Ele defende a ideia de que todos os trabalhos devem ser publicados na internet, o que tende a inspirar uma responsabilidade crescente nos alunos. "Por um lado, os estudantes se sentem mais motivados, pois, em vez de serem engavetadas, as suas produções intelectuais são publicadas e podem contribuir para a visibilidade profissional. Por outro lado, a publicação na web faz com que os alunos evitem o "copy/paste" [copia e cola] ou a simples má vontade, pois a visibilidade do trabalho facilita a denúncia", diz o professor.
Esse processo pode ainda ser facilitador do trabalho dos professores e alunos, na medida em que propicia a participação de um número maior de pessoas, sem restrição de tempo, espaço ou recursos e dá mais agilidade na busca de informação, com mais pessoas pesquisando conjuntamente. Além disso, podem ser replicadas indefinidamente. "A simulação ou a gravação de experiências, por exemplo, diminui a necessidade de laboratórios, materiais, professores e alunos presentes para realizar e/ou observar o que se está estudando", diz a professora do departamento de letras da PUC do Rio de Janeiro, Violeta Quental, para quem a tecnologia sempre auxilia o pesquisador, seja ela o lápis ou o computador, já que surge da pesquisa, muitas vezes dentro da própria academia. "Nesse sentido, o pesquisador é totalmente aberto ao uso da tecnologia. No entanto, ainda há muito a pensar em relação a uma nova linguagem na academia, a uma substituição completa da linguagem verbal por outras linguagens", afirma.
Consultora de educação a distância, a professora Márcia Augusta Marinho Petrone acredita que, se houverem aulas com boas questões, material contextualizado, desafios interessantes e criativos, a manutenção da mesma lógica "tecnoeducacional" nos projetos de conclusão de curso será natural. "Os recursos podem tornar mais dinâmicos os processos, mais profundas as buscas de informação, mas o que dará a efetividade no processo educativo é a qualidade de como é desenvolvido o programa, de como o professor conduz os problemas, os temas escolhidos de interesse, a participação diversificada dos alunos, a busca das soluções criativas e importantes para a comunidade", explica a professora, para quem ainda é muito tímido o uso dessas tecnologias dentro das instituições. "Nos locais nos quais se formam professores, por exemplo, dificilmente vê-se o uso de tecnologias. Logo, não é de se espantar que os alunos usem muita tecnologia, mas fora da sala de aula. Certamente temos muitas experiências de sucesso e precisamos continuar a estudar, pesquisar, participar e promover a entrada de novos conhecimentos na escola", diz.
Para ela, o contexto de cada instituição de ensino, de seu corpo discente e até do docente, apresenta diferentes realidades, e isso precisa ser considerado. "Eu diria que nos cursos de pós será efetivamente mais fácil utilizar a tecnologia para exames, teses e bancas finais. A videoconferência suportaria facilmente essa situação e certamente os alunos não teriam dificuldades", diz.
Estimular o uso desses recursos durante todo o processo educativo do curso também é importante. Na PUC do Rio Grande do Sul, diferentes unidades acadêmicas dispõem de espaços educativos equipados para permitir o acesso e a inserção dos futuros profissionais na 'realidade tecnológica'. "Por conta disso, as apresentações dos trabalhos acadêmicos, em qualquer curso, podem envolver desde as tecnologias de suporte convencionais ao trabalho de sala de aula, como projetores multimídia e computador com acesso à internet, até a utilização de sofisticados recursos computacionais de simulação, ou mesmo a inserção de contatos virtuais síncronos, também via internet (skype) e/ou outras ferramentas de EAD, com professores ou especialistas, ou, ainda, integrantes de bancas examinadoras que não se façam presentes no campus, no momento das defesas", explica a diretora da Faculdade de Educação da PUC-RS, Marília Costa Morosini.
Quando os canais de acesso à informação são chancelados pela universidade, amplia-se o alcance da produção desses conhecimentos e as condições para a sua compreensão e entendimento por um maior número de receptores, não só da área acadêmica. "O papel da academia é também produzir ciência e tecnologia, estendendo à sociedade os frutos do seu trabalho, e não apenas disseminar o conhecimento historicamente acumulado pela humanidade no espaço restrito da sala de aula", diz Morosini.
Embora experiências como essas estejam sendo realizadas, o professor de sociolinguística da USP Luiz Antonio da Silva acredita que o acesso a esses recursos pelas instituições ainda é pequeno, principalmente nas universidades públicas. "Ainda assim, creio que a academia não deva ficar alheia às inovações tecnológicas, tomando o devido cuidado para não usar sem uma finalidade definida, isto é, apenas para parecer moderno", diz o professor, que orienta o aluno Artarxerxes Tiago Tácito Modesto, doutorando em letras pela USP, "um dos alunos que possuem experiências mais inovadoras com relação ao uso de novas tecnologias em apresentações finais de trabalhos", descreve.
Em sua dissertação de doutorado, ainda em curso, Modesto pretende utilizar conversas realizadas online e, como apoio, apresentar data show para exibir gráficos e emoticons (figuras usadas em ferramentas de bate-papo), entre outros elementos discursivos, além de, "quem sabe", fazer uma demonstração em tempo real dos fenômenos analisados na pesquisa, através da interação eletrônica. "Não acredito que os trabalhos tradicionais estejam com os dias contados. Afinal, as novas tecnologias não vieram substituir a episteme, mas sim conferir novas maneiras de se chegar até ela. Acredito numa simbiose natural entre os meios de divulgação tradicionais e os inovadores. Não há melhor ou pior, apenas maneiras diferentes de divulgar os resultados da investigação", diz o aluno.

Procura-se um educomunicador

Com a rápida evolução das novas tecnologias, a comunicação tem se tornado cada vez mais popular e o acesso à informação mais simples. Porém, isso não significa que os receptores já estejam dominando a novidade. Assim, a relação comunicação e educação é atualmente um dos principais focos de atenção dentro das instituições de ensino. É sob essa perspectiva que a educomunicação tem ganhado força.
Ismar de Oliveira Soares diz que é ao mesmo tempo jornalista, professor e educomunicador. Com pós-doutorado em comunicação e educação pela Marquette University Milaukee Wisconsin, é professor da Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da instituição, além de ocupar a vice-presidência do World Council for Media Education, com sede em Madri, Espanha.
Principal responsável pela criação do novíssimo curso de licenciatura em Educomunicação da USP, que estreia em 2011, muitos estudiosos apontam Ismar como o primeiro a usar o termo no Brasil. O professor explica que o conceito da área passou por mudanças, e aponta cuidados que as universidades devem ter para não utilizá-lo de "forma inadequada".
Bastante otimista ao falar do futuro da educomunicação, Ismar de Oliveira também afirma que a busca pelo profissional com formação nesse campo cresce cada vez mais no mercado e que as instituições de ensino particular têm um papel importante a desempenhar no processo, que vai além do preenchimento de vagas. Leia abaixo a entrevista concedida à revista Ensino Superior:

Ensino Superior - Como se define o conceito de educomunicação?
Em primeiro lugar, é importante entender que ao longo dos anos houve uma mudança no conceito. Até o início da década de 1990 a Unesco identificava a educomunicação como todo trabalho de educar para a mídia e formar um receptor crítico. Atualmente, ela significa apoderar-se dos recursos tecnológicos e praticar a comunicação a partir de uma igualdade de condições pelas quais comunidades se envolvem para construir espaços democráticos, participativos. Uma realidade na qual a comunicação é utilizada para exercer a cidadania com uma intenção educativa, mas também se preocupando com o mercado. Em outras palavras, a educomunicação desenvolve e implementa meios comunicativos em espaços educativos regidos por uma gestão democrática.

Ensino Superior - Ela é uma profissão do século 21? Qual o perfil do seu profissional?
Sem dúvida. Há 20 anos o educomunicador era considerado alguém que realizava uma ação voluntária, um bom comunicador interessado na comunidade. Porém, com a mudança de conceito e os trabalhos que foram sendo desenvolvidos na área, o profissional da educomunicação passou a ser reconhecido. É alguém que domina as tecnologias de informação, mas que empresta a elas todo um sentido social, participativo, com uma fundamentação humanista forte. Posso citar como exemplo a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que tem normas publicadas para o desenvolvimento da educomunicação nas escolas públicas. São professores que se convertem em educomunicadores, ou seja, temos aí uma ação profissional.

Ensino Superior - Muitos entendem o educomunicador antes como um professor que utiliza as mídias para as práticas pedagógicas. O senhor concorda?
O educomunicador não é necessariamente um professor. É claro que um docente pode ser um educomunicador, mas tanto quanto um jornalista ou um publicitário podem ser também. Não basta apenas usar a mídia em sala de aula, isso não significa uma ação educomunicativa. Tal ação só existe quando um espaço comunicativo é criado e os alunos compartilham a produção do conhecimento. O professor educomunicador, no ambiente escolar, dá autonomia, permite que o aluno seja protagonista.

Ensino Superior - Como usar a comunicação, segundo a educomunicação, dentro de uma instituição de ensino superior?
Em qualquer instituição de ensino superior, quando se fala em comunicação, a assessoria de imprensa e os profissionais do marketing logo vêm à mente. Já uma equipe de educomunicação, no caso, auxilia a alta direção da organização a repensar suas relações com o próprio meio. É como uma assessoria especializada. Essa assessoria pode fazer uso dos instrumentos de relações públicas, publicidade e jornalismo, porém antes vai realizar um planejamento para mostrar como uma instituição pode ser orgânica. O mercado e o capital continuam sendo elementos importantes, mas que constituem, sobretudo, um espaço de diálogo e produção de cultura. 

Ensino Superior - O educomunicador também é um gestor?
Ele é gestor por natureza. O conceito de gestão é inerente ao conceito de educomunicação. A educomunicação se divide em várias áreas de intervenção. O educomunicador planeja ações em um sistema para que a prática da educomunicação tenha sentido. Entre suas funções, esse profissional precisa sempre saber formar e orientar equipes, produzir avaliações, prever necessidades de tecnologia e sustentabilidade nos projetos em que está envolvido.

Ensino Superior - As instituições de ensino superior no Brasil já estão preparadas para atender esse novo mercado?
As universidades têm condições, mas hoje não estão preparadas. Sem dúvida há uma mobilização. Existem muitos cursos de especialização, surgiu também uma graduação de bacharelado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). O maior risco é utilizar o conceito de educomunicação de uma forma inadequada. No momento, o sistema educacional e o ensino superior em geral ao pensar em educomunicação pensam em TICs e tecnologia educativa, o que não é correto. É preciso também ter o cuidado para que o tema não seja usado somente dentro de uma visão mercadológica, sem a responsabilidade social inerente a essa prática. Essa é uma das grandes preocupações do novo curso da USP. Formar pessoas para atender a demanda nas universidades, e em condições de criar bons cursos nas universidades que assim desejarem.

Ensino Superior - Como será esse curso de licenciatura em educomunicação da USP?
Será um curso noturno, de 2.800 horas, oferecido pela Escola de Comunicações e Artes. As disciplinas pedagógicas serão cursadas na Faculdade de Educação. A primeira turma inicia as aulas em 2011. As disciplinas serão divididas em três áreas de formação: básica, específica e pedagógica. Na primeira, vamos discutir as teorias da educação, comunicação e o futuro da profissão. No campo das específicas, as aulas vão discutir leituras de mídia, gestão dos processos de comunicação, uso das tecnologias nos espaços educativos e planejamento e avaliação de processos. Já as disciplinas pedagógicas serão cursadas na Faculdade de Educação, para aproximar os alunos da prática docente. Além disso, eles terão de realizar 400 horas de trabalho em organizações, para aperfeiçoar a profissão.

Ensino Superior - A abertura do curso serve para suprir uma demanda de professores no próprio curso da universidade? Qual o mercado para os professores que se especializam nessa área?
O mercado inicial está voltado para a educação formal, pois existe uma carência de professores de comunicação. Com a LDB, as escolas passaram a ter uma autonomia para criar disciplinas. No entanto, a norma solicita que as instituições reservem 25% da carga horária para a área de comunicação, que deveria ser dividida entre as disciplinas de línguas e de mídias. Só que as escolas não têm adotado a prática de professores voltados para mídia porque não existe esse profissional. O nosso primeiro objetivo então é atender à demanda do ensino médio para introduzir a comunicação como está na lei. Mas temos também um atendimento imediato ao terceiro setor. As organizações não governamentais estão cada vez mais ampliando o campo de formação em trabalhos voltados para criança e mídia. E há ainda espaço nos canais de televisão e rádios educativas, além dos canais segmentados, que serão exigidos com a digitalização da televisão.

Ensino Superior - O educomunicador pode atuar em empresas ou está restrito às instituições de ensino?
A educomunicação está engatinhando nas empresas, mas acredito que onde existem grupos humanos pode-se pensar nela. Uma empresa preocupada em dialogar com seu entorno pode patrocinar ações de organizações que apliquem a educomunicação. É o caso da Petrobras, da Vale. E é possível o educomunicador trabalhar também dentro da empresa. A educomunicação advoga maior liberdade de expressão e as empresas podem admitir que isso aconteça em algumas áreas. Na verdade, muitas já estão se abrindo neste novo campo que cada vez mais cresce, chamado responsabilidade social. É a partir daí que as organizações começam a olhar para os seus empregados e percebem que é preciso mudar as relações.

Ensino Superior - Existe uma demanda crescente para esse tipo de profissional?
Ela é visível em termos de solicitação. Aponto exemplos: atualmente, o Ministério do Meio Ambiente tem um grande problema para que a população tenha acesso a informações. Por isso, a pasta criou o Programa de Educomunicação Socioambiental, que promove a produção de programas e campanhas educativas socioambientais, e está contratando pessoas especializadas para geri-lo. Já no Ministério da Educação há uma discussão sobre a reforma do ensino médio, e uma das propostas é aumentar o ensino em um ano, para que se desenvolvam práticas educomunicativas. Ou seja, vamos precisar de especialistas para essa faixa. E o terceiro setor também está se desenvolvendo. Então, não há dúvidas de que estamos diante de um crescimento.

Ensino Superior - Qual pode ser o papel das instituições particulares no desenvolvimento desse novo campo?
Acredito que o Brasil necessita neste momento de um investimento na formação de educomunicadores. As grandes mantenedoras deveriam estar discutindo mais esse tema. Em 1999 foi realizado um encontro em São Paulo, chamado Mídia e Educação. Uma das conclusões foi a de que as universidades que tivessem bons cursos de pedagogia e comunicação deveriam começar a pensar na formação do educomunicador. E as mantenedoras estavam presentes. Penso que chegou o momento novamente de elas refletirem o que significa entrar nesse novo nicho. Assim como as instituições particulares podem servir para atender a uma demanda na formação de novos profissionais, elas podem definir, em conjunto com o ministério e com as universidades públicas que já estão pesquisando o assunto, parâmetros sobre como avançar nesse campo de forma adequada.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pesquisa mostra que estresse no trabalho prejudica a voz do professor

O estresse no trabalho aumenta de 6 a 9,5 vezes a possibilidade de o professor se tornar incapaz para o trabalho, pois é um dos fatores que influencia em problemas de voz em docentes. Essa é uma das conclusões de pesquisa feita pela fonoaudióloga Susana Giannini, da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo). Cansaço na fala, ficar sem voz, ter rouquidão ou apresentar coceira, pigarro e dor na garganta são alguns dos sintomas.
As alterações na voz ocorrem por três fatores principais: o pessoal, que são os cuidados básicos com a voz, a alimentação, a qualidade do sono, a hidratação (tomar goles de água enquanto fala) e o exercício de aquecimento vocal antes do início da aula; os ruídos provocados por classes numerosas ou por indisciplina; e as condições de trabalho e de ambiente.
Os distúrbios de voz atingem de 60% a 70% dos professores; na população em geral, o índice é de 11%. Mesmo diante deste porcentual elevado, a maioria dos profissionais não procura orientação ou demora muito para buscar ajuda. Sem orientação e prevenção, a doença tende a se agravar, até incapacitar o professor de dar aula. Quando isso ocorre, o professor é obrigado a interromper a carreira, às vezes precocemente, e passa a fazer trabalho burocrático, explica Susana.
Com o adoecimento vocal, o professor perde a qualidade da voz e isso interfere no aprendizado dos alunos. Outro agravante é que o docente precisa arcar com as despesas médicas para o tratamento e perde benefícios que receberia se continuasse a exercer a função. Isso ocorre pois o distúrbio não é reconhecido pela Previdência Social como doença ocupacional --embora a OIT (Organização Internacional do Trabalho) considere a categoria como a que tem maior risco de ficar sem voz.
Se o distúrbio for considerado como doença ocupacional, haverá aprimoramento do diagnóstico e do tratamento dos docentes, diz a pesquisadora.
Pesquisa
Para confirmar se o estresse era uma causa da doença na voz, a fonoaudióloga avaliou 167 professores de ensino infantil, fundamental e médio com distúrbios de voz na cidade de São Paulo. Depois, comparou o resultado com 105 colegas saudáveis, provenientes das mesmas escolas.
O estudo constatou, por estatística, que há relação entre ter distúrbios vocais e estresse provocado pela organização do trabalho. Professor com distúrbio vocal tem de 6 a 9,5 vezes mais probabilidade de perder condições de executar seu trabalho antes de chegar à aposentadoria. O estresse foi medido pelos níveis de excesso de trabalho e pela falta de autonomia sobre este.
Quase 70% dos que tinham problemas vocais apresentaram excesso de trabalho, mostrando que a pressão para realizá-lo era média ou alta. Nos professores saudáveis, a porcentagem foi 54,4%. Em relação à autonomia, 73% dos professores com distúrbio de voz mostraram ter pouca ou média autonomia sobre o trabalho. No outro grupo, a porcentagem foi de 62,1%.
Fatores de risco
Os fatores de risco devem ser considerados conforme a intensidade, o tempo de exposição, a duração do ciclo de trabalho, a distribuição das pausas ou a estrutura de horários, entre outros. São agrupados nas categorias organizacional, biológica e ambiental:
•Organizacional – Jornada de trabalho prolongada; sobrecarga, acúmulo de atividades ou de funções; demanda vocal excessiva; ausência de pausas e de locais de descanso durante a jornada; falta de autonomia; ritmo de trabalho estressante; trabalho sob forte pressão e insatisfação com o trabalho e/ ou com a remuneração.
•aspectos biológicos da voz – São as alterações advindas da idade, alergias, infecções de vias aéreas superiores, influências hormonais, medicações, etilismo, tabagismo e falta de hidratação.
•ambiental – Os fatores ambientais incluem riscos físicos (ruídos, desconforto e choque térmico, dentre outros) e riscos químicos (exposição a produtos irritativos de vias aéreas e presença de poeira ou fumaça no local de trabalho).