domingo, 5 de abril de 2009

Entrevista Cristovam Buarque


O senador defende a lei do piso salarial, discute a inconstitucionalidade e ratifica a urgência de sua implantação
02/04/2009 16:57TextoThaís Romanelli
Para o Senador, o valor do piso ainda não é o ideal, mas pode valorizar o trabalho do professor a melhorar a qualidade da educação brasileira
Formado em engenharia e doutor em economia, o pernambucano Cristovam Buarque já foi Reitor da Universidade de Brasília, governador do Distrito Federal e Ministro da Educação. Membro do PDT, se candidatou pelo partido a presidência da república e atualmente é Senador. Seguidor de Darcy Ribeiro, dá continuidade a proposta de transformar a educação em prioridade nacional. É responsável pela formulação da Lei do Piso Salarial dos Professores, teoricamente em vigor desde janeiro de 2009. Em entrevista ao EDUCAR PARA CRESCER, Cristovam fala sobre a polêmica da constitucionalidade da norma e da latência de implantação em alguns estados.
1. Qual é a importância de um piso salarial para professores?
Cristovam Buarque: Fazer, pela primeira vez no Brasil, com que o professorado seja uma categoria nacional. O profissional da educação, até então, era ente municipal ou estadual, o piso representa um laço de união entre todos os estados do país. Além disso, o estabelecimento de um valor mínimo diminui as disparidades entres os salários nos diferentes municípios brasileiros e, mesmo não sendo o valor ideal, beneficiará 800 mil professores.
2. A lei do Piso fere a Constituição?
Cristovam Buarque: De jeito nenhum, a lei número 11 738 demorou mais de um ano para ser aprovada e, neste período, nenhum ponto de inconstitucionalidade foi apresentado. A lei é constitucional e a questão da invasão do princípio federativo que alguns alegam por aí é mais um problema criado criar para adiar a implantação do piso. Os estados têm suas autonomias, mas nós somos uma nação. Eu defendo a federalização da Educação, meu projeto é criar no Senado a carreira nacional para os professores. A idéia consiste na criação de concursos públicos federais, assim os professores da rede pública se tornariam funcionários públicos nacionais e, assim, o salário seria pago integralmente pela União.
3. A unificação nacional do piso em vez de variação de acordo com o custo de vida em cada cidade brasileira é boa?
Cristovam Buarque: Com certeza não é ideal, mas temos de fazer o piso único. Cada estado tem liberdade e autonomia suficiente para fazer reajustes e estabelecer aumentos de acordo com a necessidade específica de cada região do Brasil. A lei criou um piso, não criou um teto. O valor mínimo é 950 reais, cabe aos governantes complementar os salários da maneira que acharem necessário. Portanto, julgo que a lei não está cometendo nenhuma injustiça.
4. A nova lei tem algum aspecto negativo?
Cristovam Buarque: O único aspecto negativo foi a demora: esta lei deveria ter sido criada há anos no Brasil. Quando o projeto foi finalmente feito houve uma latência muito grande desde a aprovação até ser colocado em vigor, o que, aliás, até então não foi integralmente feito. Além disso, o valor salarial é o que há de mais negativo na lei, 950 reais é um valor muito baixo, os professores merecem mais. A meu ver, o ideal - que está muito longe de acontecer, não preciso nem dizer, né? - seria uma média salarial para os professores da rede pública em torno de 4 mil reais.
5. A lei demorou mais de um ano para ser aprovada. Você faria alguma mudança nela?
Cristovam Buarque: Durante todo esse tempo de negociações aconteceram coisas positivas e negativas. Em meu projeto inicial, havia proposto dois valores distintos de salário: um para os professores de nível superior e outro para os que possuíssem título de ensino médio, o que foi vetado. Esta seria a principal mudança que eu faria e o que mais me desagradou na forma definitiva. Ao mesmo tempo, reconheço que intervenções como a exigência de 1/3 da carga horária para atividades extraclasse de planejamento de aulas, proposto por uma deputada, foram completamente positivas na nova versão da lei, este ponto eu defendo plenamente.
6. A lei é justa ao não diferenciar a formação dos educadores?
Cristovam Buarque: Como disse, não acho o estabelecimento de um valor mínimo justo. Exatamente por este motivo minha proposta era outra. Eu, sem dúvida, preferia a diferenciação entre professores com especializações e os sem, mas a decisão foi tomada para reduzir os gastos.
7. Por que o piso não foi implantado em alguns estados?
Cristovam Buarque: No Brasil infelizmente existem leis 'que pegam' e outras que não 'pegam'. É evidente que isso não está certo, por isso, precisamos protestar e lutar pelos nossos direitos. Agora é a hora para uma manifestação, uma ação forte da parte dos professores. O governador não implantou o piso? Vai ao gabinete, faz barulho, não deixa ele entrar. A luta tem de ser forte e incisiva, claro que não cabe apenas aos professores, também as autoridades máximas têm de se posicionar e cobrar coerência já que a lei foi aprovada.
8. O governo, em artigo oficial, se responsabiliza por cobrir os custos dos estados que provarem não ter condições de arcar com o custo. Estados como Goiás, Rondônia, Rio Grande do Sul e Tocantins não implantaram o piso, nem contaram com a contribuição do governo. O que está acontecendo?
Cristovam Buarque: O que está acontecendo é descaso e irresponsabilidade, muita irresponsabilidade. Tanto das autoridades municipais, federais, como das autoridades máximas, que não impõe nenhuma medida decisiva e incisiva. Quando um banco quebra o governo compra, está acontecendo cada vez mais isso por aí, por qual motivo o mesmo não acontece com a Educação?
9. Caso a lei não seja cumprida as autoridades responderão por crime de improbidade administrativa, isto está acontecendo?
Cristovam Buarque: Não. Até agora nenhuma autoridade que não tenha implantado o piso foi punida. O que é inadmissível, claro. A questão é complicada, pois um fica empurrando a responsabilidade para o outro e até então nem o Ministro da Educação, nem o presidente tomaram nenhuma atitude que solucionasse o impasse. A greve que está sendo planejada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação é válida? A luta tem de ser feita, é importante e nesse momento mais do que essencial. Considero a greve um instrumento duro, não me manifesto a favor dela, mas sim favor da luta, é preciso que os sindicatos e os professores descubram outros meios. Por que é importante remunerar bem os professores? Porque não tem como ter um ensino de qualidade se os professorem não têm um bom salário. A qualidade do ensino não depende apenas disso, evidente, mas a remuneração sem dúvida influi.
10. A valorização do professor depende do que?
Cristovam Buarque: Inúmeros fatores estão atrelados à valorização e o Brasil ainda tem muito que melhorar. Para uma educação de qualidade é preciso cabeça, coração e bolso: professores bem formados, salários justos, escolas bem estruturadas, boas condições de aula e investimentos adequados na área.
11. Qual é a importância de se investir em Educação?
Cristovam Buarque: Não existe futuro sem Educação. O mundo inteiro vive a economia da Educação, o progresso depende dela. Além disso, é importantíssimo lembrar que o Brasil é uma república e em uma república todos têm os mesmos direitos perante a lei, não existe isso de alguns terem Educação de qualidade e outros estarem privados disso, a igualdade tem de prevalecer.

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