segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Alunos vice-versa

O aluno é um só, certo? Do ponto de vista de gestão, não necessariamente. A dificuldade de se posicionar no relacionamento com o alunado pode ser a causa de alguns dos problemas das instituições de ensino superior particulares. No âmbito acadêmico, o aluno deveria ser visto como um produto. E na interface com a área administrativa, como cliente. A defesa de que a relação entre a instituição e o aluno muda conforme a situação é a base da tese da pesquisadora Cláudia Rizzo. Defendida pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), a tese de doutorado de Cláudia foi apresentada em fevereiro deste ano e desenvolve um novo modelo de gestão para as instituições de ensino superior.
De acordo com o modelo proposto por Cláudia em Gestão estratégica do aluno/cliente nas instituições de ensino privadas: um estudo de caso, a relação de consumo com uma instituição de ensino superior é diferente das relações tradicionais, quando o cliente tem plenas condições de exigir suas demandas a uma empresa. Na situação aluno e faculdade, o primeiro não tem o conhecimento necessário para determinar o que quer como serviço educacional, ainda que a instituição precise identificar quais são as suas necessidades.
Então, o estudante pode ser considerado um "produto em transformação", que entra como aprendiz e sai como profissional. Cabe à instituição cobrar desempenho e dedicação, mas não considerá-lo como um cliente dentro da sala de aula, e sim produto ainda sendo preparado.
Já fora dela, no caso de o aluno precisar retirar um livro da biblioteca, ou ao ser atendido por meio dos meios eletrônicos, por exemplo, ele deve ser visto como cliente, pois necessita de um bom atendimento dos funcionários e de uma boa infraestrutura para desenvolver sua formação.
"Ainda vemos hoje alunos/clientes buscando instituições reconhecidas como melhores. Mas uma grande parte já está dando mais ênfase ao relacionamento com as instituições, ou seja, o que elas podem oferecer enquanto pacote de serviços, e não só como marca", diz.
A pesquisa foi realizada em agosto de 2008 em sete faculdades de uma fundação mantenedora particular da cidade de São Paulo. Ao todo foram entrevistados 120 alunos, 26 professores, 42 funcionários, 10 gestores e 6 diretores. As instituições eram direcionadas para a classe A, com alunos na faixa etária de até 20 anos, metade trabalha e 85% apontam intenção de dar continuidade aos estudos após a graduação.
Para aplicar o modelo proposto pela pesquisadora, o primeiro passo é a instituição definir o segmento no qual está inserida e a sua posição em relação aos concorrentes, identificando questões como a classe social que pretende atingir, a região onde o campus será instalado e a infraestrutura oferecida. Em seguida se estabelece o posicionamento da instituição no mercado. A proposta não precisa ser necessariamente de inovação ou originalidade. Nesse quesito, conhecer bem as preferências do público-alvo é crucial. Pais e mercado também exercem grande influência e devem ser considerados, especialmente por serem financiadores do serviço e consumidores do produto formado.
As delimitações de áreas de atua­ções e definição de estratégias têm o objetivo de apontar uma direção para atingir objetivos específicos. Isso permite que a identidade estabelecida seja facilmente reconhecida tanto pelos potenciais alunos/clientes como pelos funcionários da universidade.
Outro momento inicial importante é o processo seletivo, já que esse é o primeiro contato entre o aluno/cliente e a instituição. Assim, a instituição deve manter um programa permanente de treinamento para os atendentes, com o objetivo de que todas as possíveis dúvidas possam ser respondidas e qualquer informação esclarecida.
Esse trabalho de atualização constante deve ser realizado também com o corpo docente e administrativo, de acordo com as necessidades específicas de cada área. Professores precisam de programas e cursos periódicos de formação para que o aluno se torne um produto valioso. Administradores devem estar sempre em contato com novas ferramentas, e dessa maneira oferecer o melhor serviço possível aos clientes.
Entretanto, seja no corpo docente, no atendimento ou na infraestrutura, Cláudia Rizzo afirma que é necessário criar um grupo de indicadores de qualidade para obter o resultado das ações. "Manter sempre o foco no bom desenvolvimento dessas três frentes pode parecer óbvio, mas é exatamente onde muitas instituições falham", diz.
Tais indicadores podem ser obtidos na forma de avaliações internas e externas, desde que sempre levem em consideração o segmento e posicionamento estabelecido pela instituição, seus objetivos e estratégias propostas. Assim como em qualquer empresa, para que um novo projeto tenha sucesso, a instituição precisa conhecer seus limites.
Apesar de o modelo de gestão desenvolvido por Cláudia Rizzo ainda não ter sido colocado em prática, ela acredita que ele pode ser aplicado em universidades de perfis diferentes, mesmo que o estudo tenha analisado apenas uma fundação. Isso porque, na opinião da pesquisadora, o ensino superior privado é uma área relativamente nova no país, que nos últimos 20 anos cresceu cerca de 300%, e atualmente movimenta bilhões de reais por ano. "É um mercado altamente competitivo e que precisa ser discutido", defende.
De fato, 70% dos alunos entrevistados pela pesquisadora afirmaram preferir o atendimento ao vivo na faculdade, confrontando a postura que a maioria das instituições tem adotado, de utilizar novas tecnologias de soluções a distância. De acordo com ela, isso demonstra o quanto um aluno, como cliente, exige cada vez mais não só a qualidade da sua formação, mas de toda a estrutura oferecida pela instituição.
Modelo proposto
- Segmentação: Identificar o perfil da universidade e o seu pú­blico-alvo;

- Posicionamento: Avaliar e direcionar o diferencial em relação às concorrentes;

- Treinamento: Manter cursos de formação para todos os setores que mantêm contato com o aluno;

- Relação: Estabelecer em que situações o aluno deve ser tratado como produto e como cliente;

- Indicadores de qualidade: Realizar avaliações periódicas para garantir os objetivos definidos previamente.

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