quarta-feira, 11 de março de 2009

Fernando Pessoa
Andei léguas de sombra

Andei léguas de sombra Dentro em meu pensamento. Floresceu às avessas Meu ócio com sem-nexo, E apagaram-se as lâmpadas Na alcova cambaleante.
Tudo prestes se volve Um deserto macio Visto pelo meu tato Dos veludos da alcova, Não pela minha vista. Há um oásis no Incerto E, como uma suspeita De luz por não-há-frinchas, Passa uma caravana.
Esquece-me de súbito Como é o espaço, e o tempo Em vez de horizontal É vertical.
A alcova Desce não se por onde Até não me encontrar. Ascende um leve fumo Das minhas sensações. Deixo de me incluir Dentro de mim. Não há Cá-dentro nem lá-fora.
E o deserto está agora Virado para baixo.
A noção de mover-me Esqueceu-se do meu nome. Na alma meu corpo pesa-me. Sinto-me um reposteiro Pendurado na sala Onde jaz alguém morto.
Qualquer coisa caiu E tiniu no infinito.

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