Bombardeio de campanhas de atração de alunos, guerra de preços, kits promocionais. Num cenário de aumento no número de instituições de ensino superior e estabilidade no volume de ingressantes, os alunos se tornaram, naturalmente, o grande alvo do marketing universitário. Mas, se as estratégias acabam após a prova do vestibular, algo tende sair errado no meio do percurso.
Pesquisa recente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) indicou uma evasão recorde nas instituições privadas em 2008: 20,7% nacionalmente, 21,10% no Estado de São Paulo e 24,21% na região metropolitana de São Paulo. A pesquisa traz um dado ainda mais preocupante: a maioria evade nos dois primeiros semestres do curso.
Será, então, que o investimento para atrair esse aluno é compensado quando ele abandona a graduação em menos de um ano? Pesquisas apontam que, além do custo de captação, o aluno que abandona o curso no primeiro ano provoca, em média, uma perda de receita futura de R$ 13 mil a R$ 16 mil. "A mensalidade normalmente significa de 40% a 50% no orçamento do estudante e muitas instituições usaram e abusaram da estratégia de optar por descontos ou concederem boas reduções nos preços das mensalidades, como forma de atrair mais ingressantes. Em um primeiro instante a tática funcionou, mas, a partir do momento em que a evasão também cresceu, a concessão de descontos começou a comprometer as finanças e as receitas das instituições", analisa Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp.
A evasão é vista pelo mercado como um dos maiores e mais preocupantes desafios do sistema educacional, pois é um fator de desequilíbrio, desarmonia e desajustes dos objetivos educacionais pretendidos.
Para Rodrigo, a taxa de evasão é, sem dúvida, alta, mas é uma consequência clara do aumento do acesso das classes com menor poder aquisitivo ao ensino superior. "Nos últimos anos, houve uma redução no valor das mensalidades e um aumento na oferta do crédito educativo, mas ainda falta uma política, na maior parte das instituições, para manter esse aluno de baixa renda na universidade."
O fator financeiro, no entanto, é apenas um dos motivos para que a cada ano um maior número de alunos abandone a graduação (veja box abaixo). Carlos Monteiro, diretor e consultor da CM Consultoria, avalia que o problema reside na falta de currículos adequados. "Muitas instituições esquecem que o seu aluno está sendo formado para ser um futuro profissional de mercado e que esse mercado está cada vez mais exigente, portanto deixam de oferecer cursos adequados às reais necessidades desse mercado. Currículos inadequados acabam se transformando em uma das principais razões da desistência e da falta de motivação para que os alunos continuem frequentando os cursos."
O consultor indica ainda outra razão cada vez mais evidente: a formação de turmas com diferentes faixas etárias na mesma sala de aula. "Os alunos mais experientes não só em termos de idade como de experiência de mercado não se sentem confortáveis em dividir o mesmo espaço com outros que acabaram de sair do ensino médio e não têm maturidade para muitas vezes levarem o curso a sério", lembra.
Traçar um perfil do aluno que se pretende atrair é outro dado importante. Para Ryon Braga, consultor educacional e presidente da Hoper Consultoria, as instituições devem reforçar o nivelamento intelectual, o que pode garantir a permanência dos alunos. "Em busca de quantidade ao invés de qualidade, as instituições têm buscado alunos que não têm o perfil, nem financeiro e nem intelectual, de que elas precisam."
Ryon ainda enumera outros fatores determinantes para as altas taxas de evasão que, em sua maioria, coincidem com os dados da pesquisa do Semesp: a classe socioeconômica do aluno; a escola de origem e o local de residência do estudante; a captação de alunos fora do perfil da instituição; uma grade curricular antiquada e distante do mercado; falsas promessas propagadas pelas instituições para conquistar esse público e a dificuldade do aluno em ter um bom desempenho escolar por não conseguir acompanhar o desenvolvimento do curso.
A visão de que o próprio processo educacional é responsável direto pelas altas taxas de abandono é compartilhada por alguns analistas do mercado, já que o aluno vem do ensino médio acostumado a um processo bem diferente daquele adotado no ensino superior.
"Preencher as vagas é uma condição fundamental para a sustentabilidade de qualquer projeto acadêmico institucional, mas, seja na iniciativa privada ou nas escolas públicas, é preciso ir mais além e buscar o melhor aluno possível, aquele capaz de se envolver de tal forma na sua formação profissional que permaneça até o final, sem contribuir para os índices de evasão," diz Carlos Monteiro.
Enquanto o aprendizado no ensino médio consiste basicamente na memorização, que não contribui para a formação de um espírito investigador, na universidade o aluno tem de pesquisar para criar os seus próprios textos ou defender seus projetos e assim sofre um impacto na forma como as disciplinas são ministradas, perdendo muitas vezes o interesse pelo curso escolhido. Por isso, grande parte das instituições adota programas de formação complementar para os alunos que chegam aos bancos universitários.
Esse seria um dos motivos para a pesquisa também apontar uma alta evasão entre as instituições públicas: 14,4%. Em 2008, ao anunciar as metas para o Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), o MEC definiu que a evasão do sistema deverá ser reduzida para 10% até 2012. É uma meta bastante ousada, já que alguns cursos, principalmente os ligados à área de exatas, têm uma grande concentração de evasão que chega a quase 50% das matrículas. Em países europeus e nos Estados Unidos, os índices de evasão hoje são ligeiramente superiores a 10%.
Para Rodrigo Capelato, "quando um aluno desiste de um curso, mesmo que seja em uma universidade pública, o prejuízo não é só do estudante, mas também da instituição de ensino, já que elas possuem uma estrutura fixa cara. Se a turma é pequena e fica ainda menor com a evasão, pior ainda, pois muitas vezes a opção que resta é tentar convencer os alunos a se transferirem para cursos semelhantes".
Com o sinal vermelho piscando, as instituições entraram em um processo de dar mais atenção para os sistemas de captação e retenção de alunos, entendendo que captação não significa mais ou não se resume em apenas preencher as vagas oferecidas. A nova configuração desse mercado exige medidas práticas e uma nova cultura escolar universitária, capaz de criar mecanismos internos de manutenção do aluno no ensino superior.
Outra nova característica apontada pelos estudiosos e consultores do mercado é a chegada aos bancos universitários de uma nova geração de alunos, a chamada Geração Y, que não tem grande poder de concentração e que desenvolveu novas competências básicas para a sua sobrevivência, como construir projetos próprios e altamente críticos em relação ao que existe na sociedade atual.
A adoção de novas táticas na gestão para captação e retenção de alunos foi uma necessidade que se fez presente a partir do momento que a concorrência cresceu significativamente entre as instituições de ensino superior. E a primeira mudança foi alterar a prática de prospecção de alunos, incluindo, por exemplo, a "visita ao campus" antes da inscrição ao vestibular. Com o tempo, essa estratégia se tornou uma boa opção para atrair, mas insuficiente para reter.
As chamadas táticas usuais de captação de alunos (divulgação em feiras nas escolas de ensino médio; organização de palestras; visitas monitoradas aos campi; alta utilização de merchandising em eventos e a exploração de uma oferta variada de cursos de extensão) foram sendo substituídas ou ganharam mais uma aliada com o advento da propaganda veiculada em mídia de massa antes dos vestibulares ou das campanhas de preços promocionais nas mensalidades.
Motivos para a evasão:
- Financeiro;
- Falta de vocação para o curso;
- Trabalho em horário incompatível com as aulas;
- Disciplinas não correspondem às expectativas;
- Dificuldades em acompanhar o conteúdo;
- Mudou e a instituição ficou distante da casa e/ou do local de trabalho.
Grade inflexível |
O sonho de cursar uma universidade pública ficou para trás para a carioca Denise A. Corrêa, de 35 anos. Décima primeira colocada no vestibular para letras da UFRJ, ela não pôde continuar os estudos, já que o curso não oferecia uma grade flexível.
"Eu tinha de ir à faculdade em horários diferentes ao longo do dia. Isso me impossibilitava de trabalhar. Além disso, senti a necessidade de fazer um curso particular de inglês para acompanhar as aulas. Teria de viver em função da faculdade e precisava ajudar em casa", lamenta.
Denise ainda iniciou e parou, em faculdades privadas, os cursos de direito e marketing, quando finalmente, em 2006, conseguiu voltar a estudar e se formou em gestão de recursos humanos na Universidade Estácio de Sá. |
Pensando em voltar |
A conclusão do curso de enfermagem para o produtor de eventos Clayton Scadelai teve de ficar para depois. O jovem de 24 anos precisou parar a faculdade por não conseguir conciliar a rotina de aulas e atividades laboratoriais com o trabalho. "O meu trabalho como produtor não tem rotina e, por isso, eu estava chegando muito atrasado às aulas. Fiquei muito chateado em ter de parar, mas encarei como uma decisão momentânea e que poderia continuar depois. É uma vontade que não morreu", revela.
No entanto, Scadelai sabe que voltar a fazer enfermagem, diante da rotina de trabalho, não será de imediato. Enquanto isso, ele tem um plano B. "Penso em fazer outro curso superior, de designer de interiores, e futuramente pretendo voltar para a enfermagem", diz. |
Mensalidade baixa não compensou |
Há casos em que a falta de organização e, até mesmo, de preparo dos professores faz com que o aluno desista do curso. Eder Gomes de Moraes, 25 anos, passou por essa experiência.
"Fiquei apenas um mês e meio no curso de análise de sistemas. Decidi parar depois que comecei a perceber muita coisa errada na coordenação do curso e com alguns professores que sequer sabiam o conteúdo a ser dado", afirma.
Eder confessa que foi atraído pelo baixo preço das mensalidades, mas diz que nem sempre isso é vantagem. O segredo para não cair em uma armadilha deste tipo é, segundo ele, pesquisar bastante sobre a instituição de ensino. "Agora estou mais cauteloso na hora de escolher um curso, tanto que devo voltar a estudar, só que na faculdade em que minha esposa já estuda." |
Decepcionado com o curso |
Guilherme Arena Ferreira Silva, de 22 anos, morador de Mongaguá, litoral de São Paulo, começou e parou o curso de gastronomia por duas vezes. "Em 2006, fui viver em Balneário Camboriú para estudar e encontrei dificuldades por não arranjar emprego e, principalmente, lidar com serviços domésticos como fazer comida, lavar louça e roupa", conta o jovem.
De volta para casa, ele decidiu retomar, em 2009, o curso de gastronomia, só que desta vez em uma universidade na baixada santista. Foi então que ele descobriu que a profissão estava muito distante do que imaginava.
"Peguei um grupo de alunos que não queria nada com nada. Era difícil lidar com essa situação, já que eu levava o curso muito a sério. Além disso, com o passar do tempo me desiludi, não era o que eu queria. Descobri que não gostava de cozinhar para os outros, e sim para mim", diz o jovem, que já planeja voltar a estudar, mas desta vez no curso superior de biomedicina. |